quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Little bit of heaven


Eu sou capaz de escrever um texto, bem agora.” ela pensou.

Não cabia em si de felicidade por ter momentos como aquele. Sabia que eles durariam pouco, como tudo o que faz bem e anima a alma, mas, naquela hora, tinha de lidar com todos os sintomas mais clichês de uma plenitude crônica que havia se instalado ali.

A realidade paralela em que se encaixavam os quadros que eles pintavam não parecia tão paralela assim. Os dias tinham 24 horas; as noites, quantas eles quisessem. O café da manhã vinha com chá morno, beijinhos a granel e declarações de amor. A manhã e a tarde se passavam com brincadeiras na piscina, sorrisos sinceros e elogio ao brilho dos olhos no sol. Quando não, havia o passeio na praia, regado a um céu de baunilha, passeio de mãos dadas e a sensação de que aquilo jamais se repetiria com tamanho capricho pelos deuses, que outrora se divertiam com a vida escorregadia dela.

À noite, um descanso num colchão qualquer, num canto qualquer, mas não com qualquer abraço. Só aquele. Exatamente aquele, do jeito que ela gostava, a fazia sentir a princesa de que ele falara. E ela ganhava abraços daquele tipo para coroá-la rainha de seus momentos únicos.

Depois dos abraços, ora o sono vinha, ora não. Quando vinha, trazia junto consigo aquela sensação de completude, proteção e de que, sim, ele estava lá, velando por ela.

Ela não poderia pedir mais. Até pediu, em determinados momentos, que o portal se fechasse e que, enquanto a vontade de ficar ali fosse mais forte do que os compromissos sociais e antissociais, eles vivessem naquele quadro de Monet. Mas, como era de se esperar, a realidade parecia muito com aquele mundo à parte. Tanto que, quando bateu a meia-noite e os celulares marcaram o último dia cronológico dessa coleção na galeria, ela teve de catalogar tudo rapidinho. Foi capaz de separar tudo o que lhe interessava e colocar lembretes com frases que o fariam lembrar dos quadros que pintaram juntos, mesmo se voltasse pra lá sozinho. Guardou tudo, limpou a casa e a deixou vazia. No lugar do sol, o escuro; no lugar das risadas, saudade; no lugar da TV, os quadros no canto, apenas esperando para serem recolocados.

Trancou a porta e assim foi, chutando pedrinhas e pensando no dia em que voltaria.