domingo, 28 de dezembro de 2008

Príncipe encantado

Por muito tempo, eu vivi num mundo encantado em que eu era a princesa presa no castelo e meu príncipe viria pra me salvar de todas as mazelas desse mundo cruel. Acreditei que ele viria, do jeito que eu menos esperasse, num encontro casual ou que meu coração pararia, soariam sinos e eu sentiria na ponta dos cabelos que ele era o homem da minha vida.
Com o tempo, eu fui entendendo que as comédias românticas servem pra fazer você chorar e ver o quanto essas coisas só acontecem nos filmes. O príncipe encantado é aquele que te faz feliz, que te faz cócegas no pé e não sabe o que fazer quando você está chorando. É aquele que faz caretas quando você não quer e estraga momentos bonitinhos, mas que às vezes os torna mais legais por terem esse toque pessoal. É aquele que vai na sua faculdade apertado no busão, cansado do trabalho, e mesmo assim, com disposição pra te aguentar reclamar da vida, da faculdade e te dar um beijo, ou dizer que você está linda, e assim, te salvar do seu mundo cruel. É aquele que desliza, que comete falhas mas que tem a decência de se desculpar. É aquele que faz o seu coração parar de preocupação quando não atende o telefone, e faz ele se derreter quando manda um beijo carinhoso por sms. O príncipe encantado é aquele que você escolhe pra estar ao seu lado, te ajudando a sair do mundo cruel pra chegar num momento 'felizes até a eternidade desse momento' (vale ressaltar que eu não posso ter articulado os pensamentos enquanto digito e choro freneticamente).

Assim como você não é perfeito, eu também não sou, mas nos escolhemos mutuamente para sermos nossos respectivos namorados. Quando não valer mais a pena, seremos príncipes e princesas, ainda. De outrem ou de nós mesmos.

Eu estou feliz com a minha escolha.
E você?

domingo, 2 de novembro de 2008

Brincos

Naquela noite, ela se sentiu bonita. Olhou-se no espelho e viu uma daquelas mulheres elegantes com simplicidade. O brinco pequeno e discreto deu o ar da graça em mais uma noite que prometia ser divertida, carinhosa e com pitadas fortes. Nada que atrapalhasse a leveza do clima, a casualidade dos olhares e a insegurança de cada dia.

Sentiu-se completamente entregue e sem sua proteção habitual. Sentiu seus cabelos se espalharem e irem para o mesmo lado das suas convicções. E sentiu-se bem. Não, claro, sem se culpar algumas vezes pela perniciosidade daqueles pensamentos.

(...)
Mas o brinco estava ali, para combinar com o brilho dos olhos. Para coroar a combinação mágica daquelas duas cores que se misturavam numa repetição incessante de carinhos.

domingo, 19 de outubro de 2008

Medos


Um dia eu tive medo.

Eu sou mesmo muito medrosa. Tenho medo de estampidos, de palhaços, de filmes de terror e, principalmente, de coisas que eu não posso controlar.

Mas, como eu vinha dizendo, eu tive medo.

Tive um medo grande, quando gostei da sensação que senti quando ele me abraçou. Eu quis senti-lo perto de mim por outras vezes, e esse querer me afetou. Eu quis não sentir, quis não me deixar levar e sim levar as coisas.
Pra onde?

Ninguém sabe.
Eu tive medo de quando comecei a sentir a falta dele. De quando os pequenos carinhos e elogios começaram a funcionar quase como um anestésico para as dores cotidianas e de como eles me fizeram dependente.

Fiquei num estado de desespero quando comecei a desejar que ele me abraçasse com todo o carinho devotado a algo de que você não quer se desfazer nunca. De quando eu desligava o cel e percebia que estava triste por não tê-lo do meu lado...
Comecei a ficar desesperada quando vi que tudo aquilo já era indispensável, pra mim. Que aquelas frases confusas, sem saber se já podia ser quem era ou se ainda mantinha a fama de mau, me faziam lembrar do começo de tudo, quando eu ainda não sabia quanto medo eu poderia ter de mim mesma.

Fiquei com medo.

Só queria ele do meu lado, quando eu achava chatas ou legais demais.
Sentir falta, hoje em dia, dá medo.



"O que mais me incomoda não é não ter recebido mensagem. É ter sentido falta delas."

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ventríloquo


Ela sonhava em ter sua amiga de volta. Uma amizade unilateral, quase maniqueísta. Queria a comodidade de ter alguém sempre do seu lado, mesmo que isso custasse a liberdade de escolha do seu velho apoio.
Mas certas coisas haviam mudado. Não havia mais, por parte da sua companheira, aquela vontade de evitar o clima bélico acima de qualquer coisa. Suas vontades estavam, em doses esparsas e homeopáticas, se tornando suas prioridades. Seria um atentado contra sua integridade moral submeter-se, em todos os momentos, às vontades ditatoriais daquela cuja habilidade principal era fingir-se de ventríloqua.
Claro que, por conta do aparecimento escasso de sua força de vontade, seus desejos ainda não eram cem por cento respeitados. Isso causava uma estranheza absurda à quem a desejava por perto novamente. Causava, também, brigas e discussões para ver quem realmente deveria governar aquele barco chamado pelas duas de “minha vida”. Seria realmente de uma delas? Ou fora carinhosamente alcunhado assim pela importância que adquirira?

Não sabiam.
Mas queriam ter o controle.

Era justo que uma falasse pelas duas?
...
Não, não era. Mas assim como o ventríloquo não admite a vida do boneco, ela não admitia a vida de sua amiga. Dizia, controlava os movimentos, não dividia com ninguém. E, quando se cansava, guardava-a na sua estante, junto com o perfume, o porta-retratos e outras coisas que eram só dela.
Era bom tê-la por perto.

(...)
Uma amiga como essa deve mesmo fazer muita falta.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Confins

Porque eu gosto do seu abraço
E gosto do que me faz sentir.
Gosto de quando sorri de lado
E do jeito como me olha.

Gosto do banco da escola,
Do muro que ouve beijos e confissões.
Gosto de olhar a lua cheia,
De ver que seus olhos brilham muito mais assim;
De imaginar que meu cabelo está brilhando, também, e que formamos um casal simpático.
Gosto, de um jeito que eu não queria, de ouvir que você sente minha falta enquanto me beija depois de um fim de semana longe.
Gosto das coisinhas pequenas, das lembranças e daquilo que você faz mesmo sem saber se eu vou retribuir.
Gosto da sua mão procurando a minha, numa caminhada - e de quando elas se entrelaçam depois de se encostarem.
Gosto de nossas fotos mentais e de como as revelamos sem papel especial.
Gosto de nossos jogos lógicos e lingüísticos. Das retomadas das premissas de cada um e do quanto elas se moldam aos nossos interesses.
Gosto.

Mais do que deveria.


(diretamente dos confins da minha bolsa e do dia 20/05/2008)

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O dia em que você foi pro Japão


No dia em que você foi pro Japão, as horas não passaram. Acordei sem saber se você estava indo dormir ou se já era muito tarde pra isso. Só sabia que você tinha ido pro Japão.
Resolvi esperar.
Você não levou malas, nem roupas, nem retratos antigos. Foi. Mudou-se para uma terra longínqua sem aviso prévio, sem dar qualquer sinal de que voltaria.
Quando abri meu armário, senti falta de alguns carinhos antigos que eu guardara para me lembrar sempre – a velha mania de aprisionar lembranças. Eu sempre os procurava quando você não estava por perto. Talvez você tenha levado consigo; talvez tenham sumido com o tempo. O fato é que não estavam ali.
Procurei por um aviso de sua volta. Não havia. Lembro de ter sentido um forte aperto ao imaginar que você não voltaria, mas fui confortada por nossos amigos e suas palavras, que disseram que você era assim mesmo. Não há necessidade de se apertar.
Tudo bem. Lá fui eu, andar pelos nossos lugares e imaginar o que você deveria fazer naquele exato momento, agora que havia trocado o dia pela noite. Olhava e esperava pra ver se você não aparecia por detrás daquelas pilastras dizendo que tudo não passava de uma surpresa – o que se encaixava bem no seu perfil –, mas a cada minuto passado ansiando por isso, sua chegada se tornava cada vez mais utópica.
Fui cansando de esperar sua volta triunfal, dizendo que tentara incessantemente falar comigo mas a rede não havia deixado. Essa espera descabida por algo que não vai acontecer desilude.
Resolvi apenas esperar você voltar. Horas, dias, meses: não fazia idéia de quanto tempo isso duraria. Esperei. E você voltou, sem a voz de ânimo pela viagem feita nem pela volta. Sem aquele sorriso, sem o abraço, sem sede... sem você.

Deve ter se esquecido no caminho. Sobrou apenas um tanto de você.

E eu, que esperei pelas minhas lembranças, também não as tive. Só saudade.
Alguém deve ter achado seus pedaços na volta.
Aos poucos você fica inteiro, de novo, e voltamos a ser nós dois, no nosso Brasil.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Roupas limpas

Ela entrou no quarto que não era dela só para deixar mais uma braçada de roupas limpas. Era sempre a mesma desculpa usada para verificar se aquele mundo de peculiaridades estava de acordo com as suas expectativas.

Procurava sempre por coisas fora da normalidade. Uma prova de que as palavras vãs que dizia não eram tão vazias assim. Um bilhete, um comprovante de pagamentos, uma cartela de comprimidos: qualquer coisa poderia servir para ratificar suas palavras banhadas no seu amor torto.

Não sabia ao certo porque atacava tanto. Confiava em tudo o que lhe passara há tempos atrás e dizia que não confiava “é nos outros”. Sabia que seu discurso não era condizente com suas atitudes.
Enquanto remexia na gaveta com folhas, poemas, avisos e pedaços de um mundo que não era o dela, encontrou um desenho antigo. Os traços prematuros datavam de 14 anos atrás. Foi como se uma caixa tivesse sido aberta dentro dela: lembrou daquela que procurava pela sua mão antes de dormir e a repreendia pelos palavrões falados. Pensou que alguém tão doce como aquela que ela tinha não poderia ter se tornado nada que não estivesse nos trilhos daquele desenho.

“Mas ela anda tão estranha...”, pensou alto. Não acreditava, mas tinha medo. Estava certa da mudança, só não sabia ainda os motivos. O quarto sempre era mais importante do que as horas em família. O computador parecia uma ótima companhia e sempre havia algo mais interessante pra fazer do que gastar seus momentos na sala ou numa área comum da casa. “Na gaveta de baixo, quem sabe?”.

Abriu outra gaveta com medo, sem saber ao certo o que procurava e se queria encontrar alguma coisa. Quanto mais procurava, mais as lembranças se tornavam reais. Ouvia as risadas, as músicas no rádio da sala, sentia o mesmo perfume ocre que não saía de sua malha branca misturado ao da cozinha sendo limpa com a companhia dos velhos tempos. Sentiu o antigo frio na espinha ao lembrar de quando escurecia e tinha que proteger, além dela - e tudo o que isso envolve -, suas várias personalidades. Lembrou dos seus dias "não tão bons", quando a louça não havia sido bem lavada ou as falas eram altas demais e essa lembrança veio acompanhada de um barulho ardido, como se uma mão se chocasse a um pedaço de carne.

Lembrou dos gritos, gemidos, das súplicas e da ira com que tudo acontecia. Enfim extravasava. E sentia a culpa e a tristeza de um crime inafiançável que não prescrevia jamais.

Chorou.

Olhou para a cama desfeita onde havia largado tantas vezes a sua melhor companhia aos prantos. Parou.

Sentiu que já não tinha alguém para ficar na cama até mais tarde ou lhe preparar o café. Perdera o melhor que tinha ( e que ainda poderia ter!) e não era culpa de alguma outra pessoa – aquelas nas quais não confiava. Ninguém a havia tirado do seu lado.

Ela a havia destruído.

domingo, 13 de julho de 2008

A rosa e o tempo


Parecia um filme estranho. Daqueles de que não se sabe a origem.
No momento da crise, a música que tocava no seu computador causador de tudo sobressaiu de tal maneira que ela se perdeu no compasso e levitou por entre as notas. Levitou porque, dançar não era a sua vontade, naquele momento.
Elementos espalhados de forma displicente e inconsciente pelo seu quarto tornavam a cena ainda mais decadente. Visto por outro lado, poderia até ser poético: os resquícios de um sambinha triste no outro cômodo, a rosa carmim, deitada sobre a cômoda, iluminada pelo sol de inverno que ela, por vezes, tentara dividir em vão. A janela que mostrava a árvore cheia de flores lilás a cumprimentava de um jeito cordial e solitário.
E era assim que ela se sentia a cada vez que sua janela para o mundo era violada. Solitária. Sem aquela ligação superficial que a tornava sensível.
Pensou que nunca, num momento como aquele, a trilha sonora havia sido real. Lembrou da véspera, quando ganhou a rosa e um sorriso, e sentiu-se incrivelmente incapaz por não ter o domínio do tempo. Pensou que, agora, tinha a melodia que gostaria para a despedida de ontem.
Se controlasse o tempo, pará-lo-ia naquela lembrança. Seria fácil colocá-lo em meio às suas outras lembranças singelas e acima da realidade. Era fácil.
Na teoria.

Só percebeu que seus olhos continuaram abertos quando sentiu uma lágrima escorrer. Aquela dos últimos tempos. Uma lágrima seca, que ilustrava o momento e dava a ela a única noção do que acontecia: estava cansada.

As notas foram ficando cansadas de ajudá-la a flutuar. Secou as lágrimas do rosto e deixou as outras pra depois, enquanto escondia a rosa carmim do tempo.

domingo, 15 de junho de 2008

E agora, José?

Você me abraçou, me envolveu com seus braços e carinhos. Me segurou pelo rosto e me deu um beijo calmo como se nos conhecêssemos há anos. Me segurou pela cintura e me envolveu como se não nos víssemos há duas vidas.
Mexeu com meus sentimentos e sensações. Aquelas guardadas no fundo da gaveta das coisas do ontem que devem ficar pra amanhã. Me deu vontades, me tirou algumas.
Me confundiu.
E foi nessa hora que eu percebi o quanto eu já estava confusa. O quanto eu já queria dizer quantas coisas eu pudesse e desejasse. Percebi que certos silêncios dizem tudo. Outros, simplesmente, não dizem nada (e isso incomoda de uma maneira sufocante).
Eu vi, além dessas coisas, outras tão concretas quanto. Olhos pretos, limitados por uma barreira mais preta ainda, mas que se abre e se fecha sem o seu devido controle.
Eles se tornaram reais.
O olhar que eles me lançam também é verdadeiramente único: um olhar fotográfico, que brilha com a alegria de um menino jogando bola, correndo, querendo algo que está logo ali... mas nunca chega.
Vi aquele abraço mudo. Uma das primeiras vezes em que o mudo fala. Momentos em que eu só posso dizer: "Sinta!". Acreditar que esse momento é só nosso faz com que ele, realmente, se torne singular e fique pregado ali, na parede da memória com poucos quadros.
Você me fez pensar em dizer coisas que não precisam ser ditas. Apenas imaginadas.
A análise do discurso, das palavras, dos gestos e olhares: pequenas atitudes que se tornam hábitos. Que fizeram do beijo, quase um capítulo à parte. A sensação de ter você comigo faz eu me prender a cada detalhe de cada beijo que mais parece uma tentativa desesperada de dizer alguma coisa na forma de carinhos feitos e um jeito intenso e cuidadoso. Uma arte. Uma obra feita a dois, num encaixe que deu certo.
Que fizeram da mensagem, um carinho;
Que fizeram daquele abraço, um corpus a ser analisao;
Que fizeram daquele olhar, uma expressão lingüística. Sem análise, sem dizeres. Sem nada, a não ser a sensação de ser fotografada sem flash.

sábado, 10 de maio de 2008

Quarta parte de uma trilogia

Ela não está no ônibus, no metrô e não está na sua casa em um sábado à noite. Ela agora anda por aí, remoendo sentimentos e revirando emoções do fundo da alma. Parece que as que ficam lá em baixo estão solidificadas; se condensaram e se arraigaram. São fixas e, exatamente por isso, merecem ser revisitadas. Colocar umas em cima das outras, buscar o motivo pelo qual determinada certeza se estabeleceu e se instalou ali, como se fosse a inquilina de vários anos. Descobriu, retirando o pó das velhas emoções, que algumas coisas ainda a tocam como há cinco anos atrás; outras, não provocam mais do que risos.
Percebe, entre uma lágrima e um sorriso de saudade, que ainda é capaz de sentir muito. E não sabe se deve se alegrar ou se punir por isso.

domingo, 27 de abril de 2008

História de um sábado frio

Algumas coisas a sufocavam.. simplesmente a faziam olhar pra fora e querer chorar.
Colocar isso dentro de um frasco e atirar pra longe.. ou pra outro alguém.
A mesma música do ônibus e do metrô tocava agora no computador. Sentia-se inútil por pensar tanta coisa sozinha, por não ter com quem dividir esses pensamentos e sentimentos, já que ninguém a entendia. Do jeito que ela queria, não... Na verdade, nem ela entendia o que se passava com aquela cabeça, aquele coração e aqueles olhos, que procuravam por coisas que não estavam ali, mas deveriam.
Será que deveriam mesmo estar ali? , ela se perguntava. Será que, na verdade, ela não criara mais um espaço no meio do vazio que ela sentia? Talvez tivesse criado, talvez ele estivesse ali faz tempo... mas a sensação de vazio, ah, essa era permanente.
Mas porque ela fazia sempre a mesma coisa? Porque sempre procurava a sua completude nos outros? Talvez porque não acreditasse na sua capacidade de se sentir bem sozinha... mas que motivos ela tinha pra acreditar nisso? A resposta, ela não sabia. Só sabia que assim como não podia acreditar em si mesma, não deveria creditar essa responsabilidade aos outros. Nenhuma vez isso tinha dado certo, não seria agora que daria.
A música era cada vez mais triste, e por uma pequena fresta na janela, sentia um vento que lhe gelava por completo... pensava como podia estar ali tão sozinha, mesmo cercada de pessoas que a faziam sentir-se bem. Percebeu então que não adiantava um monte de elogios vazios, frases feitas, mensagens fúteis e coisas assim: era preciso mais! ELA queria mais.
E quando esse pensamento surgiu, percebeu que não adiantava enfeitá-lo: isso era só o que sabia, e pra ela, já estava de bom tamanho.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Poesia de Metrô

Voltava pra casa em mais um dia frio.. Sentada do lado da janela, pensava em tudo o que acontecera no dia, e combinava às melodias do discman. Adorava pôr o pé no banco da frente: dali a meia hora o metrô fecharia e, com um frio daquele, quem sairia de casa àquela hora? Um banco ocupado por dois pés não faria diferença alguma.
Os passageiros eram alguns estudantes, vestidos socialmente, discutindo sobre as provas; uma senhora com os olhos fixos em algum ponto no chão, certamente pensando em alguma coisa que a afligia, já que seu rosto apresentava uma expressão tensa; uma mulher recostada no fim do vagão, num sono cansado e incontrolável e ela, com os pés no banco da frente. Encolhida. Sentindo seus braços cruzados que seguravam o discman.
Olhava pra fora, e via os azulejos da estação absolutamente quadrados, milimetricamente distanciados e pensava que, ali no meio, algum deveria estar rachado... talvez todos estivessem um pouco machucados, mas as falhas eram tão pequenas e ela os observava de tão longe que isso era imperceptível aos seus olhos. Algum dia desceria naquela estação e os observaria com calma. De perto. Um por um. Tudo observado de perto apresenta alguma falha.
Suas mãos ficaram quentes. Ouvia agora uma música forte, mas triste. Sua cabeça no vidro, seu rosto cansado e sem maquiagem e seu corpo que não seguia o sentido do metrô a fizeram pensar que ali havia poesia. O simples fato de ser quem ela era, ali, no metrô, a fez pensar que havia poesia naquela cena.

E como toda poesia tem um fim, desceu na sua estação, sentou nos banquinhos e ali esperou, até o CD acabar.

sábado, 19 de abril de 2008

Cicatrizes

Há um tempo, eu fiz uma cirurgia nos olhos. É impressionante lembrar daquele tempo! Eles estavam inchados, e eu via as coisa com uma certa deformação: ora as via maiores do que realmente eram, ora as subestimava pelo seu pouco tamanho.
Resolvi então fazer uma incisão cirúrgica que me custou um dia em casa e alguns pontos na parte inferior de cada olho. Nunca senti dor ou qualquer outra coisa que me fizesse lembrar daquele dia. Mas agora, às vésperas do aniversário de um ano da cirurgia, esse tema (e outros também) tem me vindo à cabeça por causa desse frio de outono.
É impressionante como o vento gelado parece queimar minhas cicatrizes. Volto a senti-las como se ainda não estivessem cicatrizadas, e ao me perguntar se cuidei bem delas para que secassem.
Quando o vento bate em meus olhos, ao mesmo tempo em que os sinto secos, começo a ter a sensação de queimação. Mas não uma cauterização que fecha: simplesmente dói. Simplesmente queima.
Num segundo momento, aquela secura se torna tão grande e a queimação, tão incontrolável que meus olhos começam a se umedecer... cada vez mais, até que percebo uma lágrima rolando e sinto, sem nenhuma dúvida, minhas feridas abertas novamente (seria injusto chamá-las de cicatrizes).
Por isso, o medo do frio. Ele consegue transformar coisas sólidas em baldes de papel machê a serem moldados. Certezas marcadas em idéias nebulosas. Cicatrizes em feridas abertas. Expressões felizes em rostos molhados, seja pela chuva ou por lágrimas sem nexo.
E ainda estamos no outono...

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Tarde..


Quanta coisa passava sem que ela se desse conta? O número de coisas simples às quais ela não dava valor era incrível.

No ônibus, ela observa muita coisa que passa...ou será que ela sempre passa pelas coisas? Não sabia ao certo.

Sem ouvir buzinas e freadas graças ao seu walkman que tocava melodias simples e tristes, ela olhava pela janela. Sem idéias ou pretensões, com a cabeça tranqüila e um coração que a carregava.


Era de tarde, e fazia frio. Entre um banco e outro, aquele solzinho de outono lhe iluminava o rosto e além de aquecer suas mãos frias, aquecia também sua alma, e a fazia lembrar do quanto havia reclamado dele no último verão.

Ao olhar pra fora, começou a observar as pessoas passando por esta mesma fresta entre prédios, pela qual passava o sol. Eram rostos endurecidos e cansados, quase congelados. Vinham de um longo percurso na sombra, afinal, era uma avenida comercial, e prédios altos não faltavam, porém, quando passavam pelo sol, ela percebia alguma mudança: seja na expressão facial, que relaxava, seja nos braços que agora balançavam livres, seja no passo grande e rápido que agora acontecia sem pressa.

Ficou pensando se o sol era capaz de fazer isso com ela também e se preparou para tentar uma auto-análise, já que até aquele momento só analisara os outros. Ajeitou-se confortavelmente no banco, fechou os olhos e quando sentiu-se pronta, o ônibus andou! Seu pequeno canto com luz ficou pra trás, a fazendo pensar que quando começava a dar valor às pequenas coisas, elas nunca mais aconteciam.

Suspirou e tornou a escutar a música que tocava.

E outra coisa passou...

sábado, 22 de março de 2008

Trocando em graúdos

E eu não quero mais pensar.
Chega uma hora em que os neurônios não emitem mais aqueles reflexos rápidos e você começa a repensar as mesmas idéias sempre.
Talvez elas já estejam obsoletas e não se encaixem mais no contexto, mas a gente continua mascando o velho chiclete das idéias marcadas, até ele virar aquela borracha imprestável.
Achamos que é difícil mudar de idéia. Às vezes é, mesmo. Gasta tempo e você tem de se desfazer daquelas velhas premissas arraigadas à sua história.
Tão cômodas..
Tão práticas...
Numa hora de desespero, sem opinião formada, você abre a gaveta dos pensamentos sólidos e escolhe aquele que mais se adequa à situação.
A questão é: será que esse pensamento ainda é compatível com a realidade? Não a da época em que ele foi formado, mas a do momento em que ele foi selecionado.
Vale a pena repensar certas coisas.
E trocar o sabor de nada por um novo recheio de morango.

domingo, 9 de março de 2008

Escovas


Eram dois estranhos.


Desconhecidos de uma vida inteira, que, mais estranhamente ainda, dividiam o espaço das coisas mais íntimas. Pra ela, isso podia ser resumido em um só objeto: a escova de dentes.


Aquele pequeno pedaço de plástico com cerdas continha partes biológicas dela. Era íntimo demais. O potinho de acrílico azul ficava no banheiro que também era dividido por eles. Imóvel. Estático.


Impossível acreditar que aquele local em que nem seu pai entrava ao mesmo tempo que ela, agora era dividido sem pudores aparentes com aquela pessoa. Prazeres particulares, como o café com leite gelado ou sentar na janela e observar os passantes e suas vidas, agora tinham companhia. Não tentava medir a intensidade daquela presença do seu lado. Não fazia julgamentos com direito a céu e inferno: apenas sentia - coisa que, para ela, era a mais difícil de fazer dissociada de outras.


No meio de todos os sentimentos, veio um pensamento que a deixou atordoada: como uma pessoa que não viu seu primeiro tombo e não sabe que ela não gosta do chocolate, e sim das embalagens dos bombons, pode estar na mesma casa que ela e dividir seu porta escovas de acrílico?


Eles passaram mais tempo de suas vidas no anonimato sem graça de quem não tem um par e, agora que estavam juntos, não havia uma cicatriz da infância que tivesse a história dividida. Não tinha um pontinho dos anos de sustentação que tivesse vindo à tona. Apenas vivam juntos, retratando os gostos e desgostos a partir de quando se conheceram.
Mas a escova de dentes continuava ali. Molhada e encostada, como numa espécie de abraço à outra.
O temos pela intimidade que talvez fosse precoce, tomou conta dela. Estava acostumada ao macarrão à bolognesa dominical, mas o único almoço que faziam juntos, era feito em 3 minutos e no sabor legumes. Gostava de dormir com a cabeça coberta, de meias e esparramada, como se ainda vivesse sozinha. O edredom milimetricamente colocado sobre a cama a deixava enervada, e o amargor das manhãs sem companhia também. Lembrou de quando sabia que estava sozinha, e não apenas se sentia.


Pensou que talvez os lugares divididos na mesa e no sofá estivessem ficando com a pessoa errada. “Quem vai saber?”


Caminhou para o banheiro. Olhou o acrílico azul. Estavam lá, as duas. A sua quase seca. Aproveitou o momento, colocou na sua nécessaire e saiu.



Sentiu-se mais íntima de si mesma.

domingo, 2 de março de 2008

Making off

Se a vida tinha trilha sonora, ela era o maior exemplo daquilo.
Ouvia trechos de música, repetia os trechos sempre no mesmo momento e tinha a certeza de que sua vida era um filme, daqueles em que a personagem narra coisas normais em tom de desabafo, com um close gigantesco. A música sobe lentamente e ela já não é mais o foco; as pessoas continuam passando, sem que nada se altere.
Afinal, ninguém sabe que ela é a atriz principal.

Nem ela.

sábado, 1 de março de 2008

Revertendo

Meus revertérios são só meus.
Seria bom que fossem dos outros, também.

(...)
Aqui estamos.