domingo, 27 de abril de 2008

História de um sábado frio

Algumas coisas a sufocavam.. simplesmente a faziam olhar pra fora e querer chorar.
Colocar isso dentro de um frasco e atirar pra longe.. ou pra outro alguém.
A mesma música do ônibus e do metrô tocava agora no computador. Sentia-se inútil por pensar tanta coisa sozinha, por não ter com quem dividir esses pensamentos e sentimentos, já que ninguém a entendia. Do jeito que ela queria, não... Na verdade, nem ela entendia o que se passava com aquela cabeça, aquele coração e aqueles olhos, que procuravam por coisas que não estavam ali, mas deveriam.
Será que deveriam mesmo estar ali? , ela se perguntava. Será que, na verdade, ela não criara mais um espaço no meio do vazio que ela sentia? Talvez tivesse criado, talvez ele estivesse ali faz tempo... mas a sensação de vazio, ah, essa era permanente.
Mas porque ela fazia sempre a mesma coisa? Porque sempre procurava a sua completude nos outros? Talvez porque não acreditasse na sua capacidade de se sentir bem sozinha... mas que motivos ela tinha pra acreditar nisso? A resposta, ela não sabia. Só sabia que assim como não podia acreditar em si mesma, não deveria creditar essa responsabilidade aos outros. Nenhuma vez isso tinha dado certo, não seria agora que daria.
A música era cada vez mais triste, e por uma pequena fresta na janela, sentia um vento que lhe gelava por completo... pensava como podia estar ali tão sozinha, mesmo cercada de pessoas que a faziam sentir-se bem. Percebeu então que não adiantava um monte de elogios vazios, frases feitas, mensagens fúteis e coisas assim: era preciso mais! ELA queria mais.
E quando esse pensamento surgiu, percebeu que não adiantava enfeitá-lo: isso era só o que sabia, e pra ela, já estava de bom tamanho.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Poesia de Metrô

Voltava pra casa em mais um dia frio.. Sentada do lado da janela, pensava em tudo o que acontecera no dia, e combinava às melodias do discman. Adorava pôr o pé no banco da frente: dali a meia hora o metrô fecharia e, com um frio daquele, quem sairia de casa àquela hora? Um banco ocupado por dois pés não faria diferença alguma.
Os passageiros eram alguns estudantes, vestidos socialmente, discutindo sobre as provas; uma senhora com os olhos fixos em algum ponto no chão, certamente pensando em alguma coisa que a afligia, já que seu rosto apresentava uma expressão tensa; uma mulher recostada no fim do vagão, num sono cansado e incontrolável e ela, com os pés no banco da frente. Encolhida. Sentindo seus braços cruzados que seguravam o discman.
Olhava pra fora, e via os azulejos da estação absolutamente quadrados, milimetricamente distanciados e pensava que, ali no meio, algum deveria estar rachado... talvez todos estivessem um pouco machucados, mas as falhas eram tão pequenas e ela os observava de tão longe que isso era imperceptível aos seus olhos. Algum dia desceria naquela estação e os observaria com calma. De perto. Um por um. Tudo observado de perto apresenta alguma falha.
Suas mãos ficaram quentes. Ouvia agora uma música forte, mas triste. Sua cabeça no vidro, seu rosto cansado e sem maquiagem e seu corpo que não seguia o sentido do metrô a fizeram pensar que ali havia poesia. O simples fato de ser quem ela era, ali, no metrô, a fez pensar que havia poesia naquela cena.

E como toda poesia tem um fim, desceu na sua estação, sentou nos banquinhos e ali esperou, até o CD acabar.

sábado, 19 de abril de 2008

Cicatrizes

Há um tempo, eu fiz uma cirurgia nos olhos. É impressionante lembrar daquele tempo! Eles estavam inchados, e eu via as coisa com uma certa deformação: ora as via maiores do que realmente eram, ora as subestimava pelo seu pouco tamanho.
Resolvi então fazer uma incisão cirúrgica que me custou um dia em casa e alguns pontos na parte inferior de cada olho. Nunca senti dor ou qualquer outra coisa que me fizesse lembrar daquele dia. Mas agora, às vésperas do aniversário de um ano da cirurgia, esse tema (e outros também) tem me vindo à cabeça por causa desse frio de outono.
É impressionante como o vento gelado parece queimar minhas cicatrizes. Volto a senti-las como se ainda não estivessem cicatrizadas, e ao me perguntar se cuidei bem delas para que secassem.
Quando o vento bate em meus olhos, ao mesmo tempo em que os sinto secos, começo a ter a sensação de queimação. Mas não uma cauterização que fecha: simplesmente dói. Simplesmente queima.
Num segundo momento, aquela secura se torna tão grande e a queimação, tão incontrolável que meus olhos começam a se umedecer... cada vez mais, até que percebo uma lágrima rolando e sinto, sem nenhuma dúvida, minhas feridas abertas novamente (seria injusto chamá-las de cicatrizes).
Por isso, o medo do frio. Ele consegue transformar coisas sólidas em baldes de papel machê a serem moldados. Certezas marcadas em idéias nebulosas. Cicatrizes em feridas abertas. Expressões felizes em rostos molhados, seja pela chuva ou por lágrimas sem nexo.
E ainda estamos no outono...

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Tarde..


Quanta coisa passava sem que ela se desse conta? O número de coisas simples às quais ela não dava valor era incrível.

No ônibus, ela observa muita coisa que passa...ou será que ela sempre passa pelas coisas? Não sabia ao certo.

Sem ouvir buzinas e freadas graças ao seu walkman que tocava melodias simples e tristes, ela olhava pela janela. Sem idéias ou pretensões, com a cabeça tranqüila e um coração que a carregava.


Era de tarde, e fazia frio. Entre um banco e outro, aquele solzinho de outono lhe iluminava o rosto e além de aquecer suas mãos frias, aquecia também sua alma, e a fazia lembrar do quanto havia reclamado dele no último verão.

Ao olhar pra fora, começou a observar as pessoas passando por esta mesma fresta entre prédios, pela qual passava o sol. Eram rostos endurecidos e cansados, quase congelados. Vinham de um longo percurso na sombra, afinal, era uma avenida comercial, e prédios altos não faltavam, porém, quando passavam pelo sol, ela percebia alguma mudança: seja na expressão facial, que relaxava, seja nos braços que agora balançavam livres, seja no passo grande e rápido que agora acontecia sem pressa.

Ficou pensando se o sol era capaz de fazer isso com ela também e se preparou para tentar uma auto-análise, já que até aquele momento só analisara os outros. Ajeitou-se confortavelmente no banco, fechou os olhos e quando sentiu-se pronta, o ônibus andou! Seu pequeno canto com luz ficou pra trás, a fazendo pensar que quando começava a dar valor às pequenas coisas, elas nunca mais aconteciam.

Suspirou e tornou a escutar a música que tocava.

E outra coisa passou...