quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Bonequinha de vidro

Trilha sonora:

Tudo o que ela queria, era poder contar pra todo mundo, inclusive pra eles dois, que ela era dele. Não só como namorada, mas com todas as pequenas coisas embutidas.

Os dias, as noites, as tardes, os pensamentos nos momentos difíceis, o desejo de um abraço, o tesão, a vontade de ter um braço do lado pra se apoiar durante a noite, as lembranças mais doces e algumas das mais ardidas, os planos de domingos no parque com um bebê com a bundinha gorda de fraldas dando os primeiros passos e sendo segurado pelo pai (sim, ele de novo), as briguinhas pela quantidade de sal nas comidas, a pizza de sexta, o desejo de ter um apartamento juntos, a quase necessidade de ter alguém que a segure nos momentos em que tudo parecer ruir, o cafuné quando a cólica apertar, alguém pra contar como foram as aulas do dia e alguém pra ouvir contar sobre o dia duro de trabalho, os momentos em que ela fica acordada, antes de dormir, querendo aquele beijinho em silêncio e aquela mão colocada quase que displicentemente sobre a barriga dela, os dias de chuva solitários, os dias de sol que colocavam aquele sorriso preguiçoso no rosto dele... todas essas grandes e pequenas coisas eram dele. E talvez ele nem soubesse.

Ele não era como o príncipe com que ela havia sonhado, e isso talvez se devesse ao fato dela não sonhar mais com isso, só com atitudes. Queria gritar pra ele a cada tarde em que os minutos se arrastavam que era com ele que ela queria ficar. Era ele que dava alegrias e momentos dos quais ela não esqueceria jamais. Queria poder dizer sem medo, como aquele que você tem ao pular da piscina, que ela era dele. Não queria outra pessoa pra estar ali, nem outro homem pra ser dela. E ouvir que ele era dela, também, seria o presentinho que ficaria na cúpula de vidro, em cima da caixa com os outros presentes que ele dava a ela todas as vezes em que a chamava pelos apelidos que só eles sabiam, que olhava pra ela enquanto mexia em seu cabelo ou que simplesmente deixava claro que ela fazia uma marca na vida dele. Uma marca boa, daquelas que não se esquece nem mesmo quando acaba o verão.

Queria a reciprocidade intensa dos momentos que passavam juntos sem nuvens.

O que importava, era que ela queria poder se arriscar mais do que já se arriscava. Queria saber que as fases passam e que o importante prevalece. Queria que todo mundo soubesse que ela acreditava no potencial que ele tinha de fazê-la feliz como o sorvete de chocolate na aurora da vida. Ela acreditava nele. Talvez até mais do que ele próprio. Queria gritar de felicidade a cada pequeno dia em que se sentisse completa. Se durasse pouco, e daí? Ela teria se sentindo a princesa dele.

Queria que ele soubesse que era capaz de fazer coisas mirabolantes só pra ver aquele sorrisinho de ‘Essa é a minha garota. Fantástica, como sempre’. Ela queria vê-lo feliz. Se fosse com ela pelo tempo que o mundo permitisse, seria melhor.

Não acreditava mais nos ‘pra sempre’ que ouvia nem era mais capaz de proferi-los. Era quase um impropério, ainda mais nas condições em que ela se encontrava. Mas o tempo que o amor durasse, seria o tempo deles. Depois disso, nada mais seria possível. E ela, do fundo do coração, queria saber contornar tanto as mazelas do mundo quanto as suas próprias, pra que nada influísse na energia que emanava. Queria ser melhor, queria ser inteira, queria ser uma mulher de verdade.

E, se já era uma, era completamente dele.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Passo a passo

Acordou fazendo parte da propagando de margarina. O sol iluminava o quarto e produzia sombras nos lençóis claros.
Ele não estava a seu lado, mas, pelo barulho dos talheres, deduzira o óbvio: fazia o café, numa noite em que ela custara a dormir.
Questionou internamente o real sentido de tudo aquilo, porque suas crenças eram baseadas no binômio palavras + atitudes. Apenas uma das duas partes não tornava sua sentença verdadeira, por mais que, em certas vezes, abrisse mão de tal comprovação: acreditava no que fosse mais fácil. E agora, acreditar que o café era um gesto de cuidado e carinho era o melhor a fazer.
Nunca mais esquecera daquela manhã: gestos de carinho ansiosos, a refeição cuidadosamente planejada pra ela, a preocupação dele em carregar a bolsa dela, sempre tão pesada.
Sentia-se a portadora de algum tipo de riqueza, daquelas que não precisam de escoltas armadas, mas da proteção que estava recebendo.
Não tinha como não pensar que tudo havia mudado no momento em que recebera aquele envelope. Não pensava mais por si, nem tinha qualquer pensamento que não fosse maculado pelas letras daquele papel. Nunca fora dona de seus pensamentos. Olhava pela janela sem saber o que seria..
No caminho, sentiu de novo aquele olhar. O mesmo de cinco anos atrás, quando ela ainda era uma incógnita e ele não sabia o que o momento permitia dizer. Sentiu-se amada.

Chegaram.
Protocolos, guias, senhas, aguarde, a senhora será chamada pelo nome.
Ele percebia o nervosismo dela. Sempre tiveram jeitos diferentes de lidar com isso. Ela inventava assuntos para que o silêncio não a conduzisse a caminhos tortos por meio de seus pensamentos, mas uma hora seu estoque acabava. Seu olhar se perdia e ele sentia que era hora de recostá-la em seu ombro. Assim o fez. E ficaram os dois sentados, em silêncio, sem querer solidificar aquela ansiedade.
Tudo isso foi quebrado pela som daquele nome feminino sendo chamado pela atendente e ecoando pela sala de espera.

Entraram na sala.
Enquanto ela se trocava, ele se sentia fora d'água, mas tentando lidar com o ambiente que frequentaria por muito tempo, dali em diante. Observava cada detalhe e tentava entender sobre tudo.
Ela deitou-se. Sentiu aquele gel refrescante em contato com a sua pele e seu coração disparou ainda mais. Turbilhão.
Ele a olhava como se ela fosse sua maior riqueza... que carregava agora maiores tesouros.
Ele segurou a bolsa, a mão, o choro:

Estavam grávidos.